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Notas

Como falar sobre abuso sexual com as crianças

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A designer Helena Vitali, de 28 anos, sofreu abuso sexual quando tinha cinco anos no condomínio do prédio em que morava, em Santa Catarina.
Ela nunca tinha falado publicamente sobre isso, mas resolveu contar sua história nesta semana, após o assunto voltar à tona com a polêmica envolvendo a presença de uma criança em uma performance artística com um homem nu no MAM (Museu de Arte Moderna) de São Paulo.
«Vi que estava se falando muito sobre o assunto e achei que era importante dar um ponto de vista de alguém que passou por um abuso sexual real», explica.
Seu objetivo não foi só relatar a violência sexual, mas contar como foi importante sua mãe já ter conversado com ela sobre o assunto para que, com apenas cinco anos, ela tivesse coragem de contar o que aconteceu – e evitar que o abuso se repetisse.

«O alarme soou porque minha mãe já havia conversado sobre isso comigo. Eu soube na hora que havia alguma coisa errada. Me senti culpada. Detestei meu corpo, me senti suja. Mas contei. Lembrei das conversas que criaram essa confiança entre nós», afirma.
Ela é uma das muitas pessoas que têm compartilhado histórias sobre como os pais conversaram com elas sobre o assunto quando pequenas. Ou como elas têm falado com os próprios filhos sobre o assunto – mesmo que não tenham sofrido nenhum tipo de abuso.
A postagem de Helena Vitali teve quase 4 mil curtidas e mais de 1,6 mil compartilhamentos em poucas horas.
A BBC Brasil ouviu algumas dessas pessoas e especialistas que indicam qual o caminho para abordar o assunto com as crianças.
Alerta vermelho
Vitali conta que sua mãe lia livros sobre educação sexual infantil desde cedo. Ela lembra até hoje de suas palavras:
«Ela disse: filha, ninguém pode te tocar aqui tá? Só você e a mamãe. Nenhum adulto, nenhum homem. Isso é errado e pode ter machucar. Quando você for adulta você pode escolher. Mas quando essa época chegar vamos juntas no médico e você não vai ter medo.»
Helena afirma que nunca esqueceu o que a mãe havia dito sobre fugir, gritar e pedir ajuda se algo acontecesse. «Ela disse que sempre iria me ouvir, acreditar em mim e me proteger. Não importando quem fosse, se fosse da família ou alguém que amamos. E que eu nunca poderia mentir sobre isso.»
A conversa foi importante para que ela conseguisse contar à mãe sobre o abuso que sofreu.

«Um dos funcionários me convenceu a ir em um cômodo ver algo. Me botou sentada no seu colo e começou a abrir a própria roupa. Enquanto tentava me tocar e eu me esquivava (ou tentava), soou na minha cabeça um alarme, enorme, vermelho e piscante. Uma sirene. Eu sabia o que era aquilo», escreveu ela.
«Depois que eu contei, descobriram que um menino de três anos era sempre abusado pela mesma pessoa, mas a babá e a família não acreditavam.»
A designer diz achar importante que as pessoas não subestimem a capacidade de discernimento das crianças.
«Com educação apropriada, elas são muito capazes de entender o que é carinho e o que abuso. Quando se despir é normal, por exemplo, quando a criança está na praia com a família, e quando a pessoa está mal intencionada», diz ela.
«Tenho a clara memória de que eu sabia diferir perfeitamente a nudez comum da menção de nudez para um abuso», escreveu.
«Pedofilia não é uma criança ser exposta à arte ou a nudez em um contexto não sexual. Proibir o acesso de crianças a lugares onde estarão vulneráveis e sem a tutoria de um adulto: claro. Proibir acesso a material de cunho sexual? Perfeito. Mas banir nudez e confundir tudo e qualquer coisa com pedofilia é um desserviço», escreveu ela, em referência à polêmica sobre a performance no museu.
Educação aberta
«Não é uma questão de marcar um dia para falar de abuso sexual. É preciso ter uma educação aberta desde o berço, na qual a criança sempre, a todo momento, se sinta à vontade para falar sobre qualquer assunto. E na qual se ensine a lidar com o corpo e com a questão dos limites», explica a psicopedagoga Neide Barbosa Saisi, professora da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica).
«Precisa ensinar limites em coisas básicas, como respeitar se ela não quiser beijar as pessoas, por exemplo. Ela tem que aprender que o outro não tem domínio sobre ela. Se ela sabe o que são limites, ela já responde a uma intromissão», afirma.
A pedagoga e mestre em educação sexual Caroline Arcali explica que, ao falar especificamente sobre abuso sexual, é preciso usar a linguagem adequada para cada idade. E ser claro.
«É importante evitar termos muito abstratos. Por exemplo, dizer ‘se você se sentir estranho, ou se alguém fizer algo que te deixe triste’ etc. Porque quanto mais nova a criança, menos ferramentas ela vai ter para entender o que seria esse sentimento estranho, o que seriam esses atos que poderiam a deixar triste», afirma.
Segundo ela, inicialmente a criança aprende que violência é algo muito concreto, que causa dor física: um beliscão, uma palmada, um puxão de cabelo. Logo, quando se fala de violência sexual, é preciso mostrar concretamente como ela pode acontecer.
«É importante que a criança saiba os que são partes íntimas. Ela precisa saber que ela tem órgãos genitais, que o bumbum e os mamilos são partes íntimas. Tem que ter nome ou apelido para as partes», afirma.
Segundo as especialistas, é preciso dizer que essas partes não devem ser tocadas por outras pessoas. E que uma pessoa que a tocar está fazendo uma coisa errada.
Arcali diz ainda que é importante que os materiais didáticos usados – livros, vídeos – tenham representatividade, para que as crianças se identifiquem.
Ela vê um problema em um dos vídeos que têm sido muito compartilhados recentemente no WhatsApp – há apenas crianças brancas.
«É difícil encontrar materiais que tenham uma quantidade significativa de crianças negras. O material didático precisa refletir a diversidade que existe no Brasil.»
Educação e confiança
A gaúcha Ariane Carmo contou no Facebook como seus pais conversavam com ela de forma bastante objetiva – a postagem teve 11 mil curtidas e mais de 7 mil compartilhamentos.
«Uma amiga abriu debate sobre abuso sexual de crianças em seu perfil e muitas mulheres que participaram sofreram abuso na infância. Com tantos perigos e relatos desanimadores começa a parecer impossível proteger as crianças», afirma.
«Uma das moças disse que simplesmente não há muito o que fazer. Nesse ponto, eu pensei: não, calma! Há. Sei que ela queria dizer que não há como garantir plenamente a segurança. Mas eu senti que devia relatar a estratégia da minha família para fazer um contraponto, dar uma esperança.»

«Meus pais me ensinaram o que era sexo e abuso sexual juntos. Minha mãe me disse que qualquer homem que tentasse fazer qualquer coisa comigo eu deveria contar pra ela e ela me protegeria, inclusive meu pai – isso na presença dele», escreveu ela.
«Ela apontou pra ele. Na frente dele. Meu pai jamais me fez ou faria mal, e também não se ofendeu. Ele sabia o que eles estavam fazendo, que estavam criando o vínculo para que eu sempre sentisse segura e me ensinando a me proteger», relatou.
«Eles me disseram que nunca seria culpada e não deveria acreditar se me dissessem que minha mãe ficaria brava ou me iria me castigar. Que ela me protegeria e que eu nunca deveria ter nenhum segredo com nenhum adulto, pois adultos não tem segredos com crianças. Que sempre que alguém falasse ou fizesse algo dizendo que eu não podia ‘contar pra mamãe’, imediatamente eu deveria falar.»
Arcali concorda sobre mostrar que não deve haver segredos e que os limites tem que ser respeitados por todos. «O abusador pode ser um estranho, mas raramente é. Normalmente é alguém da família, um amigo ou conhecido», afirma ela.
Amor e carinho
Ariane diz que nunca teve nenhum tipo de trauma por ter tido essa conversa com os pais.
«Não tive uma iniciação sexual precoce por saber o que é sexo, nem tive algum tipo de bloqueio por me avisarem o que é abuso. Só fui protegida de abusadores», escreveu.
A pedagoga Caroline Arcali diz que, para evitar que a criança fique com muito medo ao se falar da possibilidade de alguém machucá-la, é preciso contextualizar a conversa e falar mais sobre os aspectos positivos da interação com adultos e outras crianças.
«Tem mostrar o que é bom na interação com um adulto. A parte positiva da convivência, para ela não achar que todo adulto é ruim. Para que a criança saiba o que é uma demonstração de amor e carinho e o que é abuso», afirma a pedagoga Caroline Arcali.
Ariane Carmo diz que o motivou a escrever sobre sua educação foi notar que os pais «têm receio de falar claramente com seus filhos, como se eles fossem incapazes de entender – não só sobre abuso».
«Quando você senta uma criança e conversa com ela de forma clara, seja sobre o que for, sobre a importância do estudo aos riscos que o mundo oferece, incluindo abuso, ela vai entender.»
«Eu sei que muitos pais até conversam com seus filhos, mas o que eu gosto de destacar é que meus pais fizeram isso juntos, e que foram claros em definir que me protegeriam de qualquer um, inclusive um do outro. Nenhuma mãe ou pai espera que seu ou sua companheira(o) seja um abusador. E meus pais, claro, não eram», conta ela.
«Mas se houvesse qualquer risco, a clareza daquela situação me daria confiança. Porque se sua mãe deixa claro que nem seu pai pode te fazer mal, você sabe que ninguém pode. A maioria dos abusadores é parente ou amigo da família que usa da confiança para praticar o crime. É preciso que a criança saiba que está segura – seja de quem for.»
Fonte: BBC Brasil

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